A convergência jornalística entre a “leitura”, a “cultura” e o “autoral” num espaço de análise e construção de diálogos sobre as artes por um olhar autoral, reflexivo e provocador.
Em tempos onde observamos a arte de atuar cada vez mais restrita à um desejo súbito inserido num contexto de ordem midiática dos mais favoráveis, entender o papel da profissão no âmago da suas subjeções e incertezas, é um exercício instigante e sedutor.
O ator e cineasta Felipe Bond faz parte de uma geração de artistas inquietos e provocadores que utilizam suas obras como objeto de pesquisa e reconstrução acerca do seu próprio conteúdo. E é por meio de uma profunda metalinguagem fílmica que seu documentário “Como Você Me Vê?” nos interpela sobre nosso ponto de vista em torno do “ser ator/atriz”, na condução das confidências dos próprios profissionais da arte dramática em suas diversas faixas etárias, origens e verdades.
Nessa entrevista de Felipe para Felipe – um ex-aspirante a ator que quando cursou teatro tinha uma noção ínfima da representatividade do ofício para um ator (também roteirista e produtor) consciente da importância social, política e cultural do seu papel no palco ou na tela – na “Leitural”, uma coluna autoral sob o olhar de um artista autoral que antes de ver pelas lentes da câmera, mergulhou no berço da arte do ator e nele se redescobre a cada nova resposta encontrada ou a cada novo questionamento refeito;
F E L I P E . B O N D
- O título do filme é questionador e nasce do olhar do público em relação ao papel dos atores em cena. Essa provocação artística é uma extensão do questionamento do “ser ator” que o inquieta como ator de cinema, teatro e TV? De que forma sua verve cênica contribuiu para que essa reflexão fosse feita pelo terceiro olho de uma lente cinematográfica?
Essa questão não nasce do olhar do público em relação ao ator/atriz em cena, mas sim fora dela. Essa “provocação artística”, como você bem colocou, vem sim de uma inquietação, que antes parte do olhar do artista e sua vida, tentando elucidar os caminhos tortos e a pouca valorização que o artista tem dentro de sua contribuição e importância para uma sociedade, dando ênfase a todos os percursos, sendo ele, TV, Cinema ou Teatro, valorizando o amor pelo que se faz mesmo com tantos obstáculos e preconceitos.
- O Rodrigo Santoro deu uma entrevista recente ao Caderno Ilustrada, da Folha de S. Paulo, e afirmou que “A Angústia sobre a carreira é permanente”. E você define o filme como “uma investigação necessária para entender essa arte”. O sentimento do Santoro é análogo ao de vários outros atores/atrizes e profissionais que trabalham com a arte de um modo geral. A narrativa dessa aflição e da necessidade do entendimento artístico revelada no seu olhar como cineasta por meio de uma metalinguagem fílmica parte de uma necessidade de convidar o público a rever o papel do artista na sociedade e o próprio artista a ter mais consciência da representatividade que ele possui? Esse entendimento dialoga com outras camadas sociais e políticas?
Sim, é exatamente isso! Um olhar mais íntimo, curioso e com o intuito de clarear, nem que seja um pouco, a visão à este ofício que por tantas vezes é visto como mágico e glamuroso. É isso também, mas não é só, tem muito mais coisa por trás! E não tem como não dialogar com outras camadas sociais, pois, é um filme que tenta mostrar o trabalhador “artista”, em suas diversas posições e situações de carreira. E quando abrimos esse leque, acabamos que por consequência falando de oportunidades e políticas internas que o país dá aos seus trabalhadores da Cultura.
- O documentário entrevistou um total de 28 atrizes e atores de diferentes gerações que contam suas trajetórias, dificuldades e todas as questões que permeiam o ofício. A escolha desse elenco passou por algum tipo de curadoria e/ou critério artístico? Como foi o processo de criação do filme?
O Processo se deu a partir de um diálogo com o meu sócio. Ele me acompanha desde a Escola de Cinema e via minha labuta diária de ator, pois antes de ser formado em Direção Cinematográfica, me formei em Artes Dramáticas e trabalho como ator há 15 anos.
Ele sugeriu que falássemos em algum projeto sobre a intimidade deste ofício. Foi quando concebemos o documentário, seu formato e linguagem.
A escolha dos atores se deu pela proximidade, amizade, admiração pelo trabalho e a variedade de outros trabalhos paralelos que estes atores faziam junto da arte de atuar, ou dirigir.
- “Como Você Me Vê?” venceu a categoria “Melhor Doc.” no Festival FICA.VC e “Melhor Roteiro” no 7º FestCine Maracanaú. E além dessa ótima recepção nos circuitos dos festivas o filme irá compor a programação do Canal Brasil e da Globosat.Qual a importância dos festivais e das novas janelas de exibição, como as TV’s por assinatura e os sites de streaming, para a produção audiovisual brasileira?
Sim, fomos laureados nestes festivais e ficamos extremamente felizes com a repercussão. Inscrevemos os filmes em outros festivais e esperamos ser selecionados para que o filme alcance o maior número de pessoas possíveis, pois acreditamos que é uma história que precisa ser vista e debatida. O filme irá participar também do “Festin” agora em março, em Lisboa e eu estarei por lá representando o filme.
Achamos que os festivais são importantíssimos para o cinema independente e as outras janelas de exibição também, porque só assim o realizador e sua equipe tem a possibilidade de alcançar um número significativo de pessoas para ver sua obra e dialogar a respeito.
O filme irá estrear em abril na grade do Canal Brasil, que foi nosso grande parceiro e coprodutor da obra. Temos uma imensa gratidão pela equipe do canal por acreditar que este filme era importante este filme ser feito e vir ao mundo.
- “Atuar é combater”. Essa sua fala sobre o documentário me chamou atenção e me fez refletir. Destrinchando os meandros desse conflito, atuar é uma ação combativa ao que, a quem e por quê?
Esta é uma frase do filósofo Joseph Prudom, que colocamos no filme, parafraseado na boca do grande ator Julio Adrião, que fez o prólogo, o epílogo e costurou o filme com atuações da sua peça “A descoberta das Américas”.
Concordo muito com ela, pois para se fazer arte no Brasil e no mundo precisa-se ter muita coragem… Se desprender de todos os preconceitos e muitas vezes de todas as verdades que um dia acreditou, para ser um ser humano mais atento a si e ao outro… E esse é um embate que temos que travar conosco e com a sociedade, diariamente, mesmo com todos os obstáculos nos dizendo para desistir… Não a nada a se fazer a não ser enfrentar esse conflito, se existe amor e torcer para ter forças até o fim!
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